Vôa o Tempo Vôa

Hoje me senti tão pequeno que talvez não conseguisse me desenhar.

Digo isso porque vi no rosto dos meus filhos um ar de preocupação que não concebo a eles porque não gosto de vê-los sofrendo.

Aqui neste blog retrato sempre as coisas do Fernando que parceiro de sempre e até mesmo por ser homem acaba seguindo meus passos e

eu me vendo muito nos passos dele.

Antes dele e bem antes veio a Vitória. 

Filha planejada, querida por todos da família.

Eu e a Lúcia nos conhecemos muito cedo na vida 15 anos ela 16 eu.

Aprendemos tudo praticamente juntos, amores, desamores, vida a dois, afetos e desafetos. 

Construímos nesta caminhada uma longa história e no meio dela surgiu a Vitória.

Vitória tem 16 anos hoje. Vejam só assim foi como conheci a Lúcia.

A diferença é que na história da Vitória ao nascer surgiu um problema e deste problema a vida nos tem trazido várias aprovações.

Tudo certo até que uma paralisia cerebral muda-se de vez a idade virtual que hoje temos.

Reconstruímos tudo a partir daquele momento baseados em uma série de constatações que ninguém da nossa família jamais teria vivido e que só competiria a nós desde então cuidar. 

Cuidar de um nenê onde as perspectivas de vida sempre eram tolhidas por uma série de probabilidades dadas por médicos céticos desacreditados das próprias capacidades. Lidar com as deficiências em grande parte determina uma credibilidade de Pai e Mãe. De acreditar do que o que podemos fazer vá além do que a ciência possa provar. Entendam que não estou aqui me lamentando para que sintam pena de mim ou de nós, mas sim porque hoje me senti realmente muito pequeno.

Desde lá então do nascimento da Vitória fomos nos desdobrando em seres muito maiores do que poderíamos ser. Tratar com a deficiência não é nada gratificante.

Fazemos muitas perguntas. Porque comigo. Porque logo com ela.

Fica difícil de entender a figura de Deus quando para nós o fardo fica mais pesado.

Ah, então aparece os que dizem que Deus não dá o fardo maior do que podemos carregar.

O problema é que nesta história muitos não contam quantos pularam fora e pulam.

E porque uma figura tão doce tem de sofrer com limitações que tem a total noção de quanto lhe faz falta.

Uma mistura de imaturidade madura. Uma sensibilidade infantil que vai crescendo em corpo de mulher. E eu ficando mais velho.

Tendo que me permitir e contar com a permissão dela de tocá-la onde muitos Pais jamais tocariam depois de determinada idade. E nem devem.

Mas para quem tem uma deficiência e não movimenta o braço do lado esquerdo do corpo e tem uma limitação motora é necessário e invasão de privacidade.

Garantir à ordem, a higiene a saúde.

Teria de escrever um livro gigante para relatar tudo que já enfrentamos nestes 16 anos.

Na verdade hoje escrevo porque os acontecimentos deste ano acabaram com um afastamento antecipado da Escola da Vitória.

Falar de Escola em que a pessoa em questão é especial se torna mil vezes mais complicado. No início tudo vai parecendo ter um sentido poético e até mesmo palpável. O problema é que enquanto vai se crescendo os caminhos vão mudando de rumo. Logo que começamos nesta batalha se falava muito na inclusão educativa. 

Taí coisinha que só tem sentido poético mesmo.

O dia a dia de um deficiente vai muito além do que uma teoria pedagógica.

Colégio normal aceitando crianças especiais, colégios especiais com diferentes problemas de deficiência. Colégio estadual ou municipal.

Colégio Particular? Enfim essa teoria toda se vai embora quando somos as marionetes deste teatro.

Já enfrentamos de tudo e pode escrever que cada Pai terá o seu próprio conceito e experiência. A vida inclusiva depende muito mais, muito mesmo, da pessoa que se para na frente para tentar entende-la. Quero dizer com isso que o que realmente importa é a capacidade do professor diferentemente do ambiente que ele trabalha. Se a dedicação e a capacidade for algo digno de quem nasceu para aquilo então estamos realmente falando de inclusão educativa. Se não é meramente uma questão de polígrafo.

Isso também daria um livro e tanto.

Mas ainda assim me senti pequeno hoje!

Vitória enfrenta um ano em que a escola não lhe proporcionou muitas expectativas a não ser o convívio nem sempre muito tranqüilo dos colegas mas ainda assim a rotina do dia a dia.

Estudar em uma escola municipal especial tem lá suas diferenças. Diferenças sociais, culturais, comportamentais e claro ignorância de muitos Pais que a sua própria capacidade intelectual não lhes ajuda a entender a vida com um pingo de psicologia.

Um desentendimento constante com uma colega portadora de vírus contagioso, com capacidade física muito maior que a da Vitória nos pregaram um susto tremendo, que não vem ao caso,  mas que  nos deixou um pouco mais apreensivos do que já somos normalmente. Somado a isso uma cirurgia de correção da postura da mão esquerda para que ela não venha a sofrer com alguma inflamação nos ossos futuramente fizeram com tivéssemos de tomar a decisão de encerrar o ano letivo dela mais cedo.

Hoje me senti realmente muito pequeno.

Com um vazinho de flores na mão para dar a professora a Vitória foi hoje à aula para se despedir dos colegas. Parada sentada na entrada da escola esperava a chegada da professora que talvez não entenda totalmente a simbologia que vai guardada ali naquele pequeno vaso de flores.

Meu coração se foi ali também.

Fique com ela ali até o momento em que a professora chegou e se despediu de mim.

Parti dali e entrei no Fuca. Entendendo como preciso de um brinquedo para me distrair. Não posso viver 100 por cento da realidade 24 horas.

Sou um falso piadista e um pessimista engraçado.

Um adulto amadurecido no tempo errado com o pensamento de criança.

Preciso de algo para me distrair.

Fiquei com o choro engasgado e com os olhos cheios de lágrima por me colocar constantemente no lugar dela e disso nada poder fazer se não estar junto. Perto e tão somente isso.

Não sei até aonde vou resistir.

Hoje me senti pequeno assim como sou.

Vitória dorme agora e pensa somente na cirurgia do braço.

E desta forma difícil que ela tem de muitas vezes expressar o seu sentimento eu consigo entender o quanto ela sofre e muitas vezes não se entende dentro do universo que lhe apresentaram.

Neste universo não tem contos de fadas.

Lidar com a deficiência é tarefa complicada. Ter noção da sua deficiência e tentar compreender o porquê não serei capaz é pior ainda.

E Deus?

É hoje me senti pequeno