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O titulo do texto parece bem atual, mas na verdade reproduz o nome de um comentário que era redigido e lido pelo meu Pai lá pelos anos de 50 na então Rádio Canoas. Tenho vários deles em casa e me impressiono como o conteúdo na época era praticamente o que se vê ainda hoje.
Reclamações ao Prefeito Leonel Brizola do aumento das passagens, a Avenida São Pedro alagada após a chuvarada. O bonde que não conseguia passar, os carros se arriscavam e os transeuntes chegando atrasados ao trabalho.
Bom mas o que me traz aqui não é o conteúdo dos textos isso pode ficar para outro dia.
O que me traz aqui mesmo é o locutor em questão.
Destes anos que já vivi me dou o direito de analisar determinadas situações, visto que o tempo nos da ao menos a possibilidade de refletirmos.
Filho de radialista me criei sempre com a desconfiança e a palavra coerente de minha mãe dizendo que tudo que eu reclamava em frente ao rádio (em relação a ela é lógico) meu Pai escuta na rádio. Sempre olhei para aquele aparelho de madeira sobre o balcão com desconfiança e por vezes resolvi mudar o teor da conversa para possíveis cobranças ao final do dia. Sabe como é entre falar e correr o risco o silêncio era a melhor opção. Evidente que ela contava tudo e sempre quando aquela "voz do rádio" chegava em casa era informado sobre os acontecidos do filho mais novo. (Certamente da irmã mais velha e do irmão do meio também, mas esses assuntos não eram de minha alçada). Afinal de contas ele era o Locutor oficial do Correspondente Renner como é até hoje.
As cobranças sempre foram brandas eu é que me apavorava, sabe como é Pai é Pai.
Lá em casa se acordava, almoçava e dormia com a característica de abertura do correspondente Renner (hoje atropelada pela tecnologia e falta de sensibilidade). Até mesmo quando pegava carona de carro com os Pais de alguns colegas de colégio lá estava ele. Meu Pai! Trazendo as últimas informações das agências de notícias. Rádio ligado era como uma transferência à distância da relação afetuosa de alguém que me ensinou desde pequeno que “pano que cai no chão não se esfrega no carro”. Filosofia masculina de quem não passa o domingo sem um paninho na máquina.
Ainda se não bastasse a leitura do noticiário, tinha a locução esportiva, locução essa que lhe deu o apelido de o Homem do "Gol Gol Gol". Bordão gravado em muitos discos de viníl da história do futebol brasileiro.
Caminhar pela rua com ele era escutar no mínimo duas vezes alguém gritando, Milton Jung, GOL GOL GOL. Era sempre isso. Bom tinha também os dias de jogo, morávamos, aliás, moro ainda perto do Olímpico e de fato meu Pai nunca escondeu ser Gremista. Essa coisa de ficar fazendo gênero não é com ele.
Dependendo do resultado, ao final do jogo, sempre tinha um cidadão que passava em frente de casa, esses vizinhos meio descompensados e gritava; Milton Jung gremista filha da p...........
Já era folclore, eu dizia pro Pai. Olha só o Vitor Hugo passou por aí agora (esse era o nome do artista que fazia os elogios).
E assim me criei neste meio radiofônico tendo como rotina as visitas a Rádio Guaíba, ao Correio do Povo, de lá pegava os restos de chumbo dos linotipos pra colocar dentro dos carrinho de plástico para ficarem pesados e não capotarem nas brincadeiras.
Enfim desde que me dei conta de identificar de quem eram as vozes que escutava quando ainda bebê, nunca mais parei de ouvir a voz do meu Pai, e lá em casa a palavra voz tem uma poesia incrível porque se vive dela também.
Aprendi a relação que se tem em ler e interpretar e somente ler.
A relação que se deve ter em entender que quem te escuta visualiza as palavras.
Que da voz que produzimos o oxigênio é a nossa gasolina.
Que a quem nos ouve devemos respeito, e para isso precisamos ser confiantes, fortes, alegres e principalmente coerentes com a informação que estamos passando.
Se ele algum dia me disse isso?
Não, nunca precisou, porque a admiração que sempre tive e tenho até hoje e a postura correta de bom profissional sempre me fizeram entender que esses que gritam o seu nome na rua, gritam porque o que lhes chega é muito mais que notícias, é a mais pura poesia de quem nasceu com o dom de transformar um simples aparelho de rádio em um companheiro inseparável.
Por isso Pai, depois de um tempo te vendo afastado do rádio e mesmo com todas as mudanças na nossa velha e eterna rádio Guaíba, tenho que te dizer que o sentimento de saber que tu estas ali dentro daquela caixa de madeira que eu achava que tu me escutavas, me da à completa percepção que o teu tempo ainda não se acabou, que o velho microfone Neumann de Fita continua lá no mesmo lugar te esperando, esperando a pressão da tua voz pra funcionar.
Porque não só ele, mas todos os teus fiéis ouvintes, os que virão a ser, e principalmente eu nos meus 43 anos preciso muito ouvir a tua voz.
Volta Pai, porque estas coisas que aconteceram e as que estão por vir,
“São Coisas da Vida.”
Um grande beijo!